Mesmo com ameaça constante à vida de seus botos, Laguna receberá encontro de jet skis


Botos e pescadores de Laguna, no sul do Brasil, trabalham em parceria na captura de peixes há muitos anos, mas esta aliança sofre sérios riscos. Os animais perseguem cardumes de tainhas em direção à costa, onde uma fileira de pescadores fica com água até a cintura e suas tarrafas em mãos. Os humanos não conseguem ver os peixes através da água turva, então, em vez disso, eles observam seus parceiros aquáticos. Quando os mamíferos batem com a cabeça ou o rabo contra a água, isso indica que as redes devem ser lançadas, ato que, geralmente traz bons resultados para o pescador, assim como rompe os cardumes facilitando a captura de peixes pelos botos. 

Nesta semana mais dois desses animais foram encontrados sem vida em praias locais a exemplo do que vem acontecendo nos últimos anos. O uso de jet skis no canal dos Molhes, em Laguna, tem sido alvo de muita polêmica devido ao impacto destas embarcações sobre a população de botos residentes na área. Um parecer técnico elaborado pelo assessor de projetos da Fundação Lagunense do Meio Ambiente – Flama, Patrick Souza, com apoio de professores doutores especializados na espécie e estudos de pesquisadores internacionais, comprova o impacto negativo dos jet skis sobre a vida e sobrevivência desses mamíferos. 

Os animais residentes em Laguna se concentram numa área de circulação constante durante todo o ano na lagoa Santo Antônio dos Anjos, zona central próxima ao centro da cidade, desembocadura do Rio Tubarão e canal dos Molhes. O estudo mostra que existem algumas ameaças recorrentes para esta espécie no município, entre elas destacam-se: tráfego intenso e desordenado de embarcações, capturas acidentais em redes de pesca, doenças por exposição a contaminantes e perda de alteração significativa de habitats. 

Pesquisadores americanos apontam algumas consequências causadas por embarcações para pequenos cetáceos, como: diminuição da distância entre indivíduos, mudança de direção, aumento da velocidade de nado e aumento de intervalo respiratório. O efeito acumulativo desta exposição já levou, por exemplo, ao abandono de áreas de alimentação por indivíduos de uma população da Flórida, nos Estados Unidos. Na Carolina do Sul, no mesmo país, comprovou-se uma influência dramática no comportamento de botos quando da aproximação de jet skis. 

Patrick Souza aponta que a velocidade e imprevisibilidade dessas máquinas durante as manobras são fundamentais na mudança de comportamento da espécie: "quanto mais imprevisível o movimento e mais variante a velocidade, maior o impacto. Quanto mais rasa a água e a presença de filhotes também. Essa é uma característica dos jet skis, que realizam manobras imprevisíveis e em alta velocidade". É comum ver filhotes de botos com suas mães na região dos Molhes e o relatório revela que as fêmeas com filhotes são mais suscetíveis que outros grupos. O barulho também prejudica o animal em detectar sinais biológicos do ambiente, como presas e predadores. 

A conclusão do estudo mostra que o uso de jet ski apresenta alto potencial de impacto para estes animais, gerando aumento no risco de colisões, aumento nas intensidades sonoras e na amplitude de frequência, resultando no aumento do distúrbio sonoro com efeitos no comportamento como abandono de área e estresse, que indiretamente pode levar à morte. 

Uma pesquisa feita pelo professor de engenharia de pesca da Udesc e doutor em ciências biológicas, Fábio Daura, em conjunto com outros pesquisadores, revela um dado alarmante sobre a extinção destes mamíferos: "Devido ao pequeno tamanho populacional e seu aparente grau de isolamento, os botos tem alta probabilidade de extinção (acima de 90%) num intervalo de cem anos". O relatório finaliza evidenciando a incompatibilidade da prática de manobras de jet skis nas áreas de alta densidade dos animais, considerando a pequena população residente, sua concentração no canal de ligação das lagoas com o mar, o valor da ‘pesca com auxílio dos botos' e a constante presença de filhotes, o que indica ser este um importante local para reprodução da espécie. 

Em 2018, 16 botos foram encontrados mortos, 10 da população de Laguna. Destes, apenas em três foi identificada interação com apetrechos de pesca, um dos principais focos da fiscalização do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (IMA). Por conta disso o órgão pede que usuários de equipamentos náuticos, como lanchas e jet skis, para que evitem circular pelo complexo das lagoas Santo Antônio dos Anjos, Imaruí e Mirim, e pelo Canal da Barra, em Laguna. 

Apesar de todos os estudos já apresentados, a cidade receberá no dia 09/03/2023 um encontro com um número estimado de 200 jet skis. O evento organizado pelo Jet Clube da cidade vizinha (Tubarão), vai começar no rio Tubarão com um passeio por um canal secundário na região da Madre e depois segue até a ponte Anita Garibaldi, no Canal de Laranjeiras, em Laguna.

Referências 

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